Autoria: Prof. Diogenes Rafael de Camargo
Trabalho, resultados, metas, trânsito, compromissos. Cursos, carreira, correria, canseira. Contas, compras, final de mês, finado, futuro, futuro, futuro, desemprego, desespero, ansiedade, futuro, futuro, futuro... pânico! Adoecimento... velhice... findado, fim da linha (e você não saiu da linha?) ... angústia... passado... passado... passado. E agora? ''E agora, José?'' E o agora?
No clássico ''Carta sobre a Felicidade'', o filósofo Epicuro de Samos (241 a.C. - 270 a.C.), diz ao seu discípulo Meneceu: ''A verdadeira riqueza não consiste em ter grandes posses, mas em ter poucas necessidades [...]''.
Na contemporaneidade, necessidades são primeiro fabricadas e depois nos são entregues em bandejas de ouro. Tomamos essas necessidades não naturais como objetivos de vida e, a cada pseudonecessidade suprida, outras necessidades nos são entregues, e vivemos em um ritmo desenfreado e cego, não vemos a vida passar... nem a nossa e nem a dos nossos filhos, esposas e maridos, nossos irmãos e amigos... não enxergamos nada, vivemos para suprir necessidades que não são nossas, vivemos para preencher um vazio que é cada vez mais e mais escuro, sem sentido e solitário.
Disseram-nos: ''você precisa dar conta.'' E, sem nos dar conta, a vida passa como um sussurro. Almejamos grandes coisas, muitas coisas... tantas, que nem sabemos quais, onde e nem porquê... coisas que não são naturais... coisas imensas, do ponto de vista do status, do poder econômico... mas insignificantes, diante das necessidades inerentes à vida humana... demasiadamente humana e única... o que temos feito com a nossa única vida nesta Terra?
E por falar em terra... peço licença para dizer um pouco sobre o meu avô, homem da terra... homem que amou a Terra.
Meu avô, o qual viveu (bem) até os 96 anos de idade, dizia que algumas pessoas vêm ao mundo de caminhão, são pesadas, têm espaço para muitas necessidades e chegam ao final da vida com a carroceria lotada e os pneus baixos... já outras pessoas vêm ao mundo de bicicleta, carregam somente o essencial, são leves e ágeis.
''Da até gosto'', dizia ele. Meu avô, longevo como toda a família que continuou vivendo no campo, tinha a vida clássica de um camponês, ''dormia junto com as galinhas'', como se diz, e ''acordava antes do sol'', como também se diz. Comia o que plantava e o que pescava. Andava a passos lentos e dizia: ''o que vem da terra é o que faz bem.'' Contava piadas, havia tempo para contar piadas... e nós, enquanto crianças, havia tempo para sermos crianças, riamos... sujos de terra, gargalhávamos sem nunquinha ficar doente... tempo de sobra havia para chorar de rir. Há quanto tempo você não chora de rir? Há quanto tempo você não ri de chorar? Há quanto tempo você não pisa descalço na terra? Há quanto tempo você não é feliz? Há quanto tempo você perdeu a sua saúde? Se perdeu: pode reencontrá-la... se perdeu? Pode se reencontrar!
A ''tese'' do meu avô, pessoa extremamente simples, por criação e opção, a mesma de tantos avós e camponeses por aí, estava certa também do ponto de vista da Ciência... a cura está na terra! Meu avô acertou por duas vezes ao pisar descalço na terra: acertou por pisar na terra e também acertou por estar descalço. Ou seja: acertou por estar próximo à natureza e acertou por se permitir ter uma vida simples. Veja: simples, não pobre... como já dizia Epicuro, em 341 a.C.
A confirmação da ''tese de meu avô'' ganhou importância em pesquisa publicada no ano de 2007 na revista Neurociência, na qual fez-se comprovada a tese de que ''a cura está na terra''. O pesquisador Christopher Lowry e sua equipe, descobriram que o micróbio do solo Mycobacterium vaccae atua sobre nossos neurônios de maneira semelhante a medicamentos como o Prozac, por exemplo, porém isento dos efeitos colaterais. De acordo com a equipe de pesquisadores: ''A maneira como funciona é que os micróbios ''felizes'' no solo fazem com que os níveis de ocitocinas subam, o que leva à produção de mais serotonina.'' E os cientistas ainda dizem mais sobre o assunto (meu avô diria: ''Ah! Disso eu já sabia...''): ''Essa bactéria é encontrada em solo saudável e, quando os humanos são expostos a ela, o micróbio estimula a produção de serotonina. A serotonina nos faz sentir relaxados e felizes. Por outro lado, a falta de serotonina tem sido associada a depressão, ansiedade, TOC e distúrbios bipolares''.
O interessante é que os benefícios da exposição à essas bactérias e à suas associações podem nos alcançar de diversos modos: quando entramos em contato com a terra por meio da nossa pele, por isso andar descalço é uma ótima dica... também quando inalamos o aroma da terra, sobretudo da terra molhada (o cheiro da terra molhada é o cheiro de bactérias mortas -Streptomyces coelicolor -, mas como precisamos de poesia para vivermos felizes, diremos apenas ''cheiro de terra molhada''), nesse sentido plantar flores e árvores são ótimas opções para a sua felicidade e para a felicidade do planeta também. Enfim, estar próximo a terra, de qualquer maneira, simples e gratuita, nos traz somente benefícios. Mas, alertam os pesquisadores: é preciso perceber a terra em que se está pisando, é preciso sentir onde se pisa, é preciso sentir o ambiente... por isso, aquietar o coração e perceber o momento presente é parte importante do processo de cura pelo contato com a natureza. Acalmar o coração nos tempos atuais não é tarefa fácil, mas especialistas afirmam: ''[...] é tudo questão de treino e persistência [...]''.
Se engana quem acha que a cura está somente na terra... a cura está em renunciar necessidades artificiais, a cura está em se perdoar, em ''abandonar a carreta e pegar a bicicleta''. A cura, de acordo com um estudo realizado em 2013 pelo Centro Europeu para Meio Ambiente e Saúde Humana, está na nossa reaproximação com a natureza, o que é o mesmo que dizer que a cura está na nossa reaproximação com nós mesmos. Lembre-se do aforismo grego: ''conhece-te a ti mesmo''. A pesquisa de 2013, que se embasou em dados coletados entre os anos de 1991 a 2008 e contou com a colaboração de relatos de mais de 10 mil pessoas que abandonaram as grandes metrópoles e se mudaram para áreas verdes, mostrou que pessoas que habitam regiões mais arborizadas e próximas a ambientes naturais são mais felizes, uma vez que os participantes da pesquisa demonstraram que, com a mudança de vida e após um período de adaptação, apresentaram menor cansaço mental e também físico, maior disposição para acordar de manhã, vontade de comemorar pequenas conquistas e de estar perto de amigos, menores índices de transtornos de ansiedade e de depressão.
A receita caseira do meu avô e de tantos avozinhos e avozinhas centenários por aí, a qual já é comprovada há tantos anos, a partir do início do nosso século teve o aval da ciência moderna e, cada vez mais, tem sido comprovado que temos vivido ''pseudovidas'', temos adoecido com mais facilidade, tem nos faltado a tal da felicidade.
Neste ponto, convido a autora Cecília Meireles para endossar e adoçar (com açúcar orgânico) as palavras que escrevi, por meio de seu belíssimo poema intitulado ''A arte de ser feliz'':
"Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboleta brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondo que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim".
É preciso abandonar coisas e resgatar outras... é urgente o reencontro!!!
Por: Prof. Diogenes Rafael de Camargo.
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